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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Análise de aula e livro didático de Língua Portuguesa

 DESENVOLVIMENTO

 ANÁLISE DAS AULAS DE PORTUGUÊS E DO LIVRO DIDÁTICO

O livro chama-se “Eu gosto mais”, das autoras Célia Passos e Zeneide Silva. Ele oferece a versão integrada, que abrange todas as disciplinas, e a versão individual. A escola adotou a versão individual, pois a integrada deixa pouco espaço para o aluno responder, e as atividades são muito reduzidas, segundo a professora. O livro possui dezesseis lições que são trabalhadas ao longo do ano. Cada lição inicia-se com um texto, seguido dos tópicos: trabalhando o texto, trabalhando as palavras, trabalhando a gramática e trabalhando a ortografia.

A professora utiliza o livro didático em todas as aulas de Língua Portuguesa e complementa com outras atividades de folha separada. O ensino se concentra na ortografia, mas a leitura e a escrita também são trabalhadas.                  

No ensino de ortografia, foi feito um mapeamento por meio de ditado no começo do ano letivo e em cada mês as aulas são concentradas em duas das dificuldades mais apontadas. A professora vai registrando o avanço do aluno em um quadro que pude identificar por conta das nossas discussões em torno do texto de Morais. Ao final do mês, é feito novo diagnóstico e o resultado tem sido satisfatório.        

No tocante à leitura, os alunos lêem um livro literário por semana e precisam recontar a história para toda a turma, além de lerem textos do livro didático e de folhas individuais escolhidos pela professora. Eles são trabalhados por meio de questões com respostas no texto e questões que extrapolam o mesmo.

Quanto à escrita, uma vez por semana as crianças fazem uma redação com tema definido pela professora. No tempo em que permaneci na escola, foram feitos um texto de receita com ingredientes e um texto sobre o ocorrido em Mariana recentemente.


  ANÁLISE DA ATIVIDADE DE ORTOGRAFIA

A atividade de ortografia coletada (em anexo) e que será analisada, trata-se de um conjunto de palavras em que a criança deve completar com F ou V e depois copiar novamente a palavra com uma dessas consoantes acrescentadas. A professora, ao propor esse exercício, quis ajudar os alunos a não confundirem essas duas letras, pois é algo que acontece muito.

Conforme afirma Morais (2007) “algo numa língua só constitui um fonema se, em oposição ao outro fonema, produz mudanças de significado.” Ao completar as palavras, a criança pode perceber que dependendo da letra que optasse, haveria uma variação entre os fonemas e consequentemente de significado, o que no caso dessa atividade específica, a palavra não faria sentido.

Para se alfabetizar-se, um indivíduo – criança, jovem ou adulto – precisa, inicialmente, compreender uma série de propriedades do sistema alfabético, para poder vir a usar as letras desse sistema com seus valores convencionais. Necessita, assim, compreender que o repertório de letras usadas para escrever sua língua é fixo, que não pode inventar letras e que só pode usar letras que, de fato, são utilizadas por quem já sabe ler e escrever. (MORAIS, 2007, P. 16)

Ao escolher essa atividade, a professora quis mostrar ao aluno que as palavras já possuem uma forma correta de escrever, e que esta precisa ser obedecida, conforme as normas ortográficas da língua materna.

É importante ressaltar que a professora levou em conta que seus alunos são principiantes no que se refere às regras de ortografia, portanto não exigiu deles algo que eles não fossem capazes de fazer. Ela também não misturou atividade de leitura com atividades ortográficas, cada uma tinha o seu momento durante a aula.

Caso a professora continue trabalhando com a ortografia da forma em que percebi durante o estágio, a apropriação e o domínio das normas ortográficas serão obtidos com êxito, pois ela já entendeu que é perfeitamente natural que os alunos confundam os sons durante a escrita e tem se empenhado nos exercícios a fim de ajudar os educandos a compreenderem todas as regras.

Concluo que se a professora permanecer presa a esse tipo de atividade, a criança não aprenderá outras regras, principalmente as que se referem às irregularidades. Palavras com F e V não são consideradas irregulares, logo são de fácil compreensão e não exigem muita atenção.

 ANÁLISE DA ATIVIDADE DE ESCRITA

Para realizar a atividade de escrita, foi proposto aos alunos que escrevessem uma receita com base nos ingredientes pré-estabelecidos na folha que eles usariam e ao final deveriam fazer uma ilustração. Não há definição do que exatamente deve ser ilustrado e nem qual o alimento que está sendo preparado, cabe à criança deduzir.

Conforme Marcuschi (2007), a redação proposta trata-se de uma descrição e foi trazido para o meio escolar um gênero textual do espaço social de uso diverso, que não necessariamente faça parte do dia a dia de uma criança de sete/oito anos.

De acordo com Marcuschi (2007) “os gêneros estão sujeitos, no seu processo de produção, a algumas restrições quanto à estrutura lingüística que comportam [...]”, ou seja, para se escrever uma receita, os alunos deveriam obedecer a determinada estrutura específica deste gênero, assim como fazer uso de palavras próprias de uma receita.

Ao abordar esse gênero em sala de aula, a professora, além de se desprender de redações convencionais e pouco significativas para a construção do conhecimento do aluno, deixou claro que a escrita de uma receita culinária é adequada para o ensino de conteúdos importantes não apenas de linguagem, mas também de conteúdos relacionados com a alimentação, hábitos familiares, desenvolvimento de habilidades de criação, entre outros. Seu objetivo foi explorar o conhecimento de mundo dos seus alunos, ampliar a capacidade de escrita a partir de textos não-verbais e fazer que os alunos sejam capazes de decodificar o gênero receita.

Ao produzir um texto, o autor, via de regra, tem em mente as condições de produção e de circulação textuais. Assim, leva em conta, entre outros aspectos: para quem, quando, sobre o que, com que objetivo escreve. Essas são as características que fazem o escritor se definir pelo gênero textual mais adequado ao contexto sociocomunicativo. (MARCUSCHI, 2007, p. 63)

Analisando a atividade e o momento em que esta foi proposta em sala de aula durante o estágio, a professora não deixou claro para quem, quando, sobre o que e o objetivo de se escrever a receita culinária, ela apenas explicou brevemente sobre o gênero e entregou a folha aos alunos.

Embora não tenha havido uma explicação sobre os objetivos do texto, é importante levar em conta que a professora se desprendeu dos temas clássicos de redação do espaço escolar e trouxe algo que provavelmente poderá vir a fazer, se é que já não faz, parte do cotidiano do aluno.

Caso a professora continue trabalhando os enunciados de forma vaga, quando o aluno for realizar uma prova de vestibular, por exemplo, ele não será capaz de escrever o que de fato está pedindo, podendo se confundir e não compreender, pois não foi acostumado a lhe dar com as exigências pré-definidas na escrita.

 ANÁLISE DA ATIVIDADE DE LEITURA

Para trabalhar a leitura, a professora levou para os alunos uma atividade composta por duas folhas. Na primeira tem o texto, que percebi faltar o final da história, e o início das questões referentes ao mesmo; e na segunda folha a continuação das questões. Exceto a última, todas as demais são perguntas em que se pode encontrar a resposta no texto, mas a terceira, o aluno não precisa escrever, somente marcar a resposta correta. A última trata-se de uma questão que extrapola o texto, onde a criança deve escrever um bilhetinho, assim como fez uma personagem da história.

Após analisar a atividade de leitura proposta e ler o texto de Silva (1999) Concepções de leitura e suas conseqüências no ensino, deduzi que a professora se baseou em “ler é seguir os passos da lição do livro didático”, embora não estivesse usando propriamente o livro didático nesse caso específico.

[...] os professores criam um tipo de concepção que nada mais é do que uma fotografia padronizada da sequência dos exercícios contidos na lição. De fato, uma observação mais atenciosa vai mostrar que, na maioria dos casos, a lição de leitura é estruturada a partir dos seguintes: (1) leitura do texto (silenciosamente e/ou em voz alta), (2) sublinhamento de palavras desconhecidas, (3) verificação do vocabulário, (4) questionário de compreensão/interpretação, (5) gramática e (6) redação. (SILVA, 1999, p. 14)

Durante todo o tempo do estágio, e não só na atividade de leitura analisada, a professora se ateve aos itens descritos por Silva (1999), deixando de trabalhar a complexidade que envolve a leitura, fazendo com que a leitura se torne mecânica e com um único objetivo que é o de ler para responder um questionário. Sendo assim, a professora acaba por comprometer o avanço do conhecimento do aluno.

Se essa prática do ler é seguir os passos da lição não for deixada um pouco de lado, segundo Silva (1999) isto pode gerar a ideia errada do processo de leitura, levando o aluno a concluir que ler, nada mais é que, nas palavras do autor, “oralizar o texto, fazer vocabulário, responder perguntas, aprender gramática e depois redigir”.

Se a professora não mudar sua prática, seus alunos não serão capazes de apreciar a leitura de outra maneira que não seja a descrita acima, o que pode acabar “matando” futuros leitores, ou seja, essas crianças nunca tomarão gosto pela leitura de um livro literário, por exemplo, pois ficou presa a um único propósito.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MARCUSCHI, Beth. Redação escolar: breves notas sobre um gênero textual. In: CAVALCANTE, Marianne C.B; MENDONÇA, Márcia e SANTOS, Carmi Ferraz (Orgs.). Diversidade textual: os gêneros na sala de aula. 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

MORAIS, Artur Gomes de. A norma ortográfica do português: o que é? para que serve? como está organizada? In: MELO, Kátia Leal Reis de Melo; MORAIS, Artur Gomes de e SILVA, Alesandro. Ortografia na sala de aula. 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.


SILVA, Ezequiel Theodoro da. Concepções de leitura e suas consequências no ensino. Florianópolis: Perspectiva, v. 17, n. 31, p. 11 – 19, jan./jun. 1999

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