As transformações ocorridas nas teorias de desenvolvimento
econômico regional, segundo Amaral Filho (1999), são devidas à crise e declínio
de regiões tradicionalmente industrializadas e ao surgimento de novos
paradigmas de industrialização e de desenvolvimento locais. Desde a década de 1970, a economia mundial
vem passando por mudanças significativas no que se refere ao seu padrão de
acumulação. Galvão (1998) afirma que essas mudanças seriam resultado tanto da
intensificação da competição internacional quanto das freqüentes alterações nos
padrões de demanda, visto que os consumidores estão buscando produtos cada vez
mais diferenciados e de melhor qualidade.
Neste sentido, fenômenos como o da globalização e da emergência de
novos paradigmas tecnológicos criaram restrições à preservação das velhas
formas de organização e abriram espaço para o progresso e o avanço social, em
novas bases.
Souza (1992) afirma que, com a introdução das novas tecnologias,
percebe-se o esgotamento, em algumas regiões, do modelo de produção
fordista/taylorista – centrado na produção em massa de produtos padronizados -,
e o surgimento de um modelo alternativo, o de especialização flexível – sistema
mais inovativo e flexível em termos de máquinas, produtos e trabalhadores, em
condições de responder mais facilmente às incessantes mudanças na produção, por
pressupor uma estratégia de permanente inovação.
O modelo de produção taylorista/fordista, hegemônico até a década
de 1970, caracteriza-se por ter nas suas organizações uma estrutura
predominantemente formal, hierarquizada, com centralização de informações e de
decisões, dentro da base das grandes empresas industriais. Sua produção em
massa apresenta bens de baixa diferenciação, havendo uma padronização do
maquinário e do equipamento, da mão-de-obra e das matérias-primas.
A organização e a gestão do trabalho baseia-se na divisão das
tarefas e especialização do trabalhador, separando a execução da produção
(ficando a execução a cargo dos níveis hierárquicos mais elevados). Além disso,
busca-se um aumento do controle da produção, de acordo com padrões
estabelecidos, tornando o trabalho rotineiro, com pequeno grau de envolvimento
dos operários e com a produção estimulada principalmente por incentivos
financeiros.
Com o aumento da concorrência internacional e a globalização da
economia, este padrão de acumulação de capital entrou em crise, devido a
fatores como a saturação do mercado de bens duráveis, a perda do poder
aquisitivo, a entrada de novos países produtores e a formação de blocos
regionais, dentre outros (Garay, 1997).
Dessa forma, o aumento da competição pressionou as empresas a
adotarem um processo de reestruturação produtiva, visando adequar o aparelho
produtivo às novas exigências de um mercado de muita produção e pouco consumo,
com produtos de qualidade e constante inovação. Essa constatação faz Salermo
(1995) apud Garay (1997), afirmar que:
“Urgem, assim, estruturas organizacionais mais planas, mais ágeis
e mais enxutas que possibilitem uma redução de custos e uma diferenciação das
empresas frente seus concorrentes, via ações como lançamento de novos produtos,
aumento da qualidade, rapidez na entrega e melhora do nível de serviço
associado ao produto”.
Diante deste cenário, emerge o conceito de especialização
flexível, que, segundo Galvão (1998) defende a idéia de uma crise no paradigma
fordista de acumulação, baseado na produção em massa, e a sua substituição por
métodos flexíveis de produção, em que tanto o capital quanto a mão-de-obra
deverão se prestar a propósitos cada vez mais gerais e serem capazes de operar
dentro de contextos que exigem rápidas mudanças para a criação de novos
produtos.
Pode-se perceber esse argumento, de forma mais clara, quando
Botelho (1998) declara que:
“A produção capitalista, sob a égide do modelo de especialização
flexível, contrapõe-se às rigidities fordistas e caracteriza-se pela
flexibilidade derivada da utilização de tecnologias de base microeletrônica
(máquinas multipropósitos) e de trabalhadores polivalentes (com múltiplas
qualificações), o que propicia produções diversificadas. A presença nas
empresas de trabalhadores multiqualificados e aptos a intervirem na totalidade
do processo de produção, bem como os menores níveis hierárquicos conferem maior
flexibilidade ao processo produtivo, na medida em que rompem com a tradicional
separação entre trabalho de concepção e de execução” (Botelho, 1998, p.
109-110).
Em um nível macroeconômico, a especialização flexível desloca a
produção fordista para mercados em constante mudanças, flexíveis e inovativos.
No nível microeconômico, a especialização flexível caracteriza-se pela
fabricação de artigos variados e produzido por operários polivalentes e por
equipamentos que se prestam a várias funções (Rasmussem, Schmitz, Van Dijk,
1992 apud Hsaini, 1997).
Para adaptar-se continuamente às variações da demanda, vários
princípios organizacionais são propostos pelo modelo de desenvolvimento da
especialização flexível, como descreve Hsaini (1997). Estes princípios podem
ser resumidos da seguinte forma:
a) utilização de uma tecnologia flexível, que se materializa por
máquinas de uso geral (ou ainda flexível), permitindo passar rapidamente de um
produto para outro, sem que o equipamento produtivo precise passar, a cada
mudança de modelo, por uma imobilização ou por modificações mecânicas
fundamentais;
b) utilização de uma mão-de-obra qualificada e polivalente, com
uma integração das tarefas manuais e intelectuais;
c) colaboração permanente entre os diversos níveis hierárquicos da
empresa no campo da inovação do produto, o que implica uma hierarquia em
princípio horizontal;
d) fluidez das relações produtivas entre as diferentes unidades de
produção do sistema de especialização flexível, a fim de responder prontamente
às atividades qualitativas permanentes da demanda (Hsaini, 1997: 145-146).
As principais características que diferenciam o modelo de produção
em massa e o da especialização flexível podem ser observados no Quadro I,
elaborado por Schmitz (1998) apud Souza (1992: 331)
Pela observação das características da especialização flexível, a
partir da existência de uma divisão industrial, Piore & Sabel (1984) apud
Souza (1992) sistematizam duas formas possíveis de reação das empresas e
economias nacionais. Em uma, continuariam a predominar as características do
modelo de produção em massa, talvez "transmutado" e mais adaptado às
novas condições; na outra, as dimensões do modelo de especialização flexível
ocupariam a posição nuclear.
Sengenberger e Pike (1999), observam que no cenário da
reestruturação industrial houve um aumento da participação das pequenas
empresas e estabelecimentos no total de postos de trabalho, principalmente
ganhando terreno das grandes fábricas. Argumenta-se que as pequenas empresas
são mais flexíveis, eficientes e capazes de adaptar-se às exigências do mercado
do que as empresas grandes, pesadas e burocratizadas.
Vários fatores influenciaram essa mudança. Um deles indica que a
criação e a expansão das pequenas empresas constituem uma reação ao declínio
econômico repentino. A escassez de oportunidade de trabalho assalariado em um
período de desemprego em massa induz, ou até força, os trabalhadores a
procurarem emprego no setor de pequenas empresas ou criarem seus próprios
negócios, usando máquinas e equipamento baratos de segunda mão comprados em
firmas que vão à falência.
Por outro lado, essas novas formas de produção são decorrentes das
mudanças organizacionais das grandes empresas, que também modificaram o seu
perfil organizacional, em decorrência de três fatores. O primeiro deles é a
descentralização das grandes corporações, através da qual grandes empresas são
desmembradas em plantas menores, na forma de subsidiárias instaladas em várias
regiões do país ou do mundo; o segundo é a concessão do seu direito de produção
a outras empresas, na forma de licenciamento e de franchising; por fim, a
desintegração ou desverticalização das grandes empresas, manifestada de várias
formas, dentre elas a terceirização e a subcontratação (Sengemberger e Pike,
1999).
Entretanto, mesmo com a aceleração do crescimento de firmas de
pequeno e médio porte no cenário mundial, constata-se que a mortalidade desse
segmento ainda é muito grande. Isso acontece porque o ambiente em que elas
operam é extremamente competitivo e envolve muitos riscos e incertezas, por uma
série de razões: problemas de gestão, insuficiência de financiamento adequado,
questões relacionadas à comercialização e marketing, menor capacidade de
obtenção de informações sobre mudanças em tecnologias e no comportamento do
consumidor, dentre outros.
Dessa forma, as pequenas e médias empresas precisam desenvolver
uma capacidade de sobrevivência centrada na inovação e na incorporação de novas
tecnologias. Santos (1998) apud Cândido e Abreu (2000) ressalta que as pequenas
e médias empresas, isoladamente, não têm condições de arcar com os
investimentos necessários à superação dos problemas mencionados. E que a
solução seria uma forma de atuação conjunta e associativa, na qual pudessem
compartilhar os investimentos e benefícios resultantes de projetos
desenvolvidos em conjunto, direcionados para a solução de problemas comuns.
A partir dessa atuação conjunta, surgem novos espaços industriais
provenientes, em grande medida, da tendência de desintegração vertical dos
processos produtivos gerada pelas deseconomias de escala e escopo das grandes
corporações. Esse processo desemboca na aglomeração de empresas ou grupos de
empresas, em certos locais e regiões, que passam a desenvolver fortes relações
baseadas na complementaridade e na cooperação (Galvão, 1998).
Com a aglomeração de pequenas empresas, as dificuldades
encontradas nos mercados, enquanto agentes individuais passam a ser superados,
pois, juntas, estas empresas conseguem obter economias de escala que somente as
grandes firmas possuem. Isso faz com que Galvão (1998) afirme que "a
organização industrial pode ser mais importante do que qualquer incentivo
fiscal ou financeiro".
Da mesma maneira que as firmas precisam ser inovativas para
sobreviverem num ambiente mais competitivo, as regiões, onde se localizam as
firmas, também estão sujeitas às mesmas restrições, precisando desenvolver
instituições ágeis e inovativas. Assim, essas regiões precisam mobilizar os
agentes produtivos, a comunidade local e os governos para promoverem o
crescimento econômico e o aumento do bem-estar da população.
Torna-se necessário criar um conjunto de iniciativas para o
desenvolvimento de novas vantagens competitivas nessas áreas, através de
investimentos em diferenciação de produtos, marketing e propaganda,
aperfeiçoamento da mão-de-obra, atividades de P&D, além dos tradicionais
investimentos em infra-estrutura física e social – como estradas, portos e
aeroportos, saneamento, habitação, saúde, educação etc.
Surgem, assim, as regiões inovativas, ou seja, regiões que
propiciam um ambiente favorável a atração de investimentos, desenvolvem e
fortalecem instituições que promovem a transformação e a aceitação de inovações
na sua base econômica e que propiciam um maior grau de coesão interna e de
integração espacial dentro da região (Galvão, 1998).
Neste sentido, Hsaini (1997) apresenta quatro formas que o modelo
de especialização flexível pode assumir, utilizados por Piore & Sabel
(1984), para melhor descrever os aglomerados industriais. São elas:
- conglomerados regionais, formados por um núcleo de pequenas
empresas especializadas em uma fase específica da produção e reunidas por
relações de concorrência e cooperação;
- federações de empresas, compostas de pequenas e médias empresas,
especializadas nas mais diversas fases da produção e ligadas, entre si, por
laços familiares;
- sistema “solar”, que é uma estrutura na qual os fornecedores
e/ou subsidiárias gravitam ao redor de uma empresa de grandes proporções;
- empresas descentralizadas internamente, reagrupando ateliês
artesanais. (Hsaini, 1997, p. 148-149).
Essas formas de organização representam a possibilidade de
diferentes respostas a um mesmo problema que se coloca ao padrão da
especialização flexível: a concorrência e a cooperação devem ocorrer simultaneamente
(Souza, 1992). A concorrência como estímulo para a inovação e a cooperação como
facilitador do processo produtivo, mantendo a coesão e evitando uma
concorrência destrutiva.
Neste sentido, a combinação entre concorrência e competição
interfirmas exerce um importante papel no processo de inovação das empresas,
destacando o papel positivo que a especialização flexível exerce sobre o
desenvolvimento regional, em particular na dinâmica dos distritos industriais.
Os distritos industriais caracterizam-se pela concentração
regional de pequenas unidades produtoras de um mesmo segmento, fator que
facilita a cooperação entre elas, e a presença de agentes e instituições
capazes de coordenar as relações interfirmas. O sucesso desse tipo de
organização industrial pode ser verificado tanto em termos dos ganhos de
produtividade como no que tange à geração de emprego (Rosandiski & Garcia,
1996).
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